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    Geração ansiosa: da infância de brincadeiras para uma infância no telefone

    Geração ansiosa: da infância de brincadeiras para uma infância no telefone

    Em livro recém-lançado, o psicólogo social Jonathan Haidt fala sobre a epidemia de doenças mentais que afetam os jovens e define a geração Z como a mais ansiosa; ele defende mais limites ao uso de redes sociais e internet

     

     

    Temas relacionados à saúde mental vêm ganhando cada vez mais atenção por parte da sociedade e do poder público, diante do aumento crescente de casos de depressão, ansiedade, automutilação e suicídio nas últimas décadas. Para o psicólogo social norte-americano Jonathan Haidt, a adoção em massa de smartphones, a chegada das redes sociais e dos jogos online são os maiores responsáveis por essa crise que assola não só adultos, mas também crianças e adolescentes em boa parte do mundo.

     

    São jovens cada vez mais colados no celular, que socializam cada vez menos tempo pessoalmente, sendo as meninas mais impactadas por aspectos de autoestima, devido às redes sociais, e os meninos mais propensos a ficarem viciados em jogos e pornografia, diz Haidt, no livro lançado no fim de março nos Estados Unidos: The Anxious Generation: How the Great Rewiring of Childhood Is Causing an Epidemic of Mental Illness (A geração ansiosa: como a grande reconfiguração da infância está causando uma epidemia de doenças mentais, em tradução livre).

     

    Na obra, o autor de outros dois best-sellers do New York Times – The Righteous Mind (2012) e The Coddling of the American Mind (2018, com Greg Lukianoff), fala sobre o aumento significativo de doenças mentais entre adolescentes que atingiu muitos países ao mesmo tempo, e analisa como a “infância baseada na brincadeira” começou a declinar na década de 1980, sendo eliminada pela chegada da “infância baseada no telefone”, no início da década de 2010.

     

    Na virada do milênio, as empresas de tecnologia criaram um conjunto de produtos que mudaram o mundo e transformaram a vida não apenas dos adultos, mas também das crianças”, aponta Haidt no livro, que teve trechos publicados em artigo para o jornal britânico The Guardian. Ele afirma que essas empresas “fisgaram crianças durante estágios vulneráveis de desenvolvimento, enquanto seus cérebros se reconectavam rapidamente em resposta à estimulação recebida”. E ao promover conteúdos viciantes “que entravam pelos olhos e ouvidos das crianças, e substituir as brincadeiras físicas e a socialização pessoal, essas empresas reconfiguraram a infância e mudaram o desenvolvimento humano numa escala quase inimaginável”.

     

    Contribuiu para esse cenário um outro fenômeno, surgido nos anos 1980, quando a insegurança e o perigo de estranhos levaram muitos pais a uma parentalidade superprotetora baseada no medo, que prejudicou a brincadeira livre e não supervisionada das crianças e restringiu sua liberdade de movimento. Segundo o autor, os pais passaram a retardar a idade em que deixavam as crianças brincar e fazer tarefas sozinhas, sendo que essa independência é importante para que cresçam com autonomia e possam se tornar adultos competentes e prósperos. Ao mesmo tempo em que havia uma superproteção no mundo real, offline, isso não acontecia no mundo online, onde ficavam (e ficam) expostas a inúmeros perigos, podendo ser intimidadas, assediadas e ter acesso a conteúdos nocivos que glorificam o suicídio e automutilação, por exemplo.

     

    A geração nascida depois de 1995 – a geração Z – tornou-se a primeira na história a passar a puberdade no universo online, publicando fotografias e vídeos cuidadosamente selecionados, de modo a obter a aceitação dos pares e evitar a vergonha online.

     

    Haidt descreve os smartphones como “bloqueadores de experiência”, que impedem os jovens de participar de atividades enriquecedoras e os fazem ficar horas por dia online, seguindo influenciadores “insípidos” em uma comunicação online superficial, perdendo a oportunidade de vivenciar a riqueza da amizade da vida real.

     

    Os membros da geração Z são, portanto, os sujeitos de teste para uma nova forma radical de crescer, longe das interações do mundo real”, diz Heidt. Ele chama isso de a “grande reconfiguração da infância”, cujos danos associados conduzem às doenças mentais: privação social, privação de sono, fragmentação da atenção e dependência. E para dar a dimensão do perigo que isso traz, usa como comparativo a hipótese de as crianças participarem de uma missão a Marte, que as deixaria vulneráveis e sujeitas ao ambiente tóxico do planeta vermelho, com altos níveis de radiação, baixa gravidade e grandes variações de temperaturas. Navegar na internet sem supervisão é como ir a um planeta inóspito e cheio de perigos. “É como se eles se tornassem a primeira geração a crescer em Marte. E isso os transformou na Geração Ansiosa”, afirma.

     

    Para os críticos que argumentam que fatores como alterações climáticas, tiroteios em escolas, polarização política, guerras e desigualdade – ou pelo menos a cobertura online 24 horas dessas notícias – também contribuem para que os jovens se sintam ansiosos e deprimidos, Haidt discorda. Ele diz que crises coletivas normalmente não produzem crises psicológicas individuais, talvez porque essas situações geram um sentimento de solidariedade social e propósito, e não o isolamento e o adoecimento.

     

    A pandemia de Covid-19 sim fez as crianças ficarem mais tempo nas redes sociais, em especial no TikTok, mas o aumento de casos de ansiedade e depressão entre adolescentes já existia muito antes disso, explica Haidt. Já as evidências que ligam as doenças mentais aos smartphones e ao uso das redes sociais só aumentam.

     

    Para a professora de psicologia e neurociência Tracy Dennis-Tiwary, diretora do Laboratório de Regulação Emocional no Hunter College, em Nova Iorque, que escreveu uma crítica sobre o livro no The New York Times, doenças mentais são complexas e podem existir outros fatores que prejudicaram a Geração Z. Já a jornalista Sophie Mc Bain, que também publicou uma análise sobre a obra no The Guardian, diz que embora concorde com Haidt, que as crianças deveriam ter maior liberdade para brincar sem supervisão, ele exagera.

     

    Dos relatos que o autor recebe dos pais sobre o uso das telas em casa, predominam histórias de “conflito constante”. “Tentam estabelecer regras e impor limites, mas há tantos argumentos sobre a razão pela qual uma regra precisa de ser flexibilizada, e tantas formas de contornar as regras, que a vida familiar em todo o mundo passou a ser dominada por divergências sobre tecnologia. Manter rituais familiares, como a hora das refeições, pode ser como resistir a uma maré crescente.”

     

    Famílias dizem se sentir presas e impotentes diante da maior crise de saúde mental da história para seus filhos. Sendo assim, o que fazer?

     

    Para Haidt, problemas de ação coletiva exigem respostas coletivas, em que os pais se apoiem mutuamente para poder provocar grandes mudanças. Ele sugere medidas que podem ser vistas por alguns pais como um tanto radicais:

     

    1. Nenhum smartphone antes dos 10 anos
      Os pais devem adiar a entrada das crianças no acesso 24 horas à internet, fornecendo apenas telefones básicos com aplicações limitadas e nenhum navegador de internet antes dos 14 anos.

    2. Nenhuma mídia social antes dos 16 anos
      Deixe as crianças passarem pelo período mais vulnerável do desenvolvimento do cérebro antes de conectá-las a uma avalanche de comparações sociais e influenciadores escolhidos por algoritmos.

    3. Escolas sem telefone
      As escolas devem insistir para que os alunos guardem os seus telefones, relógios inteligentes e quaisquer outros dispositivos durante o dia escolar. Essa é a única maneira de liberar a atenção de uns para os outros e para os professores.

    4. Muito mais brincadeiras não supervisionadas e independência infantil
      É assim que as crianças desenvolvem naturalmente competências sociais, superam a ansiedade e tornam-se jovens adultos autónomos.

     

    O autor de “A geração ansiosa” diz que essas quatro práticas não são difíceis de implementar se forem feitas por muitas pessoas ao mesmo tempo. Além disso, não custam quase nada e independem de ajuda de governantes ou dos gigantes da tecnologia, que continuam a resistir à pressão para proteger a segurança e o bem-estar dos jovens usuários. Caso sejam postas em prática, ele prevê melhorias substanciais na saúde mental dos adolescentes dentro de dois anos. “Dado que a IA e a computação espacial (como os novos óculos Vision Pro da Apple) estão prestes a tornar o mundo virtual muito mais envolvente e viciante, acho melhor começarmos hoje”, conclui.

     

     

    Texto: Verônica Fraidenraich | Canguru News   
    Crédito de foto: Acervo Canguru News

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