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    ‘Para ter filhos antirracistas, pais precisam entender o racismo’

    ‘Para ter filhos antirracistas, pais precisam entender o racismo’

    Por diversas vezes, a educadora parental Magda Figueiredo foi confundida com uma babá ao passear com o filho pelas ruas do Pacaembu, bairro de classe média alta de São Paulo. “As pessoas me paravam e falavam: ‘Quanto você cobra?'”, conta ela, que se apresenta como mulher negra. Magda morou por 37 anos na periferia, no Parque Santo Antônio, na zona sul da capital paulista, até se mudar, quando o filho nasceu, há cerca de sete anos, para uma casa compartilhada no bairro nobre localizado entre as zonas oeste e central da cidade.

    As experiências racistas que passou a enfrentar enquanto mãe a levaram a querer se aprofundar nos estudos da parentalidade, e em abordagens como a disciplina positiva para aprender mais sobre o tema e compartilhar seu conhecimento sobre criação dos filhos com outras famílias pretas. 

    Uma pergunta recorrente dos pais, segundo Magda, é quanto a como criar filhos antirracistas, ao que ela sempre afirma que quem ensina, primeiro precisa aprender. “Bato na tecla que para ter filhos antirracistas os pais precisam se racializar. Ler com as crianças não é só um ato isolado, mas uma constante. É ter consciência racial de que o racismo acontece diariamente. Crianças não nascem racistas, elas se tornam, aprendendo com a sociedade, em casa, com os seus cuidadores e na escola”, disse ela, em seu perfil em rede social.

    Para ampliar essa conscientização, ela recomenda: “Coloque para as crianças filmes e veja junto, leia livros de mulheres negras. Uma hora o filho vai perguntar sobre as questões raciais e se você estiver atento e consciente vai saber responder. Não é estar preparado, mas ter consciência racial. Vai mudar tudo para todos”, diz. Também parte dos pais dar exemplos de combate ao racismo e indignação diante de atos racistas, acrescenta. Um dos livros que Magda sugere para ler com as crianças é a obra A pele que eu tenho, de Bell Hooks, artista e ativista antirracista norte-americana.

    Nas redes, palestras, formações e nos artigos que escreve, a educadora parental ressalta sempre a urgência de combater o racismo estrutural, que está enraizado na sociedade e faz crer que são naturais ou banais comportamentos violentos contra crianças e adultos negros. Ainda mais num país como o Brasil, em que mais da metade (55,8%) da população é negra, segundo dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    “Tive um encontro uma vez com pais negros e muitos deles me relataram a falta de direito de levar a sua filha no parquinho ou no banheiro do shopping. Um pai me contou que a filha dele tinha o rótulo na praça de menina raivosa, no auge dos seus 6 anos de idade, porque a maioria das vezes ela tinha que responder que o homem negro que estava com ela era seu pai”, escreveu Magda, em artigo para o jornal Orbi.

    Diante de situações como essa, ela questiona quantas vezes essa menina terá que responder que o homem preto é seu pai e não um marginalizado, sequestrador ou estuprador. “Esse pai queria ser pai. Ter o direito assim como todas as pessoas não negras de ir e vir. De levar sua filha ao parquinho, na praça. Isso parece ser tão ‘normal’, mas para os negros não é”.

    Segundo a educadora parental, mudar esse cenário exige que os brancos estudem o racismo e entendam o que é o letramento racial, um conjunto de práticas que ajudam a desconstruir formas racistas de pensar e agir.

    “A partir do momento que vocês não sabem o que é esse letramento racial, não sabem por que o racismo existe e nem o que é uma violência contra crianças e adolescentes pretos, você normaliza, naturaliza as ações e nem se dá conta do que está praticando.”

    A especialista relata ser comum os educadores parentais se preocuparem quanto a como atender as famílias pretas de forma satisfatória, levando em conta e valorizando suas especificidades. Porém, Magda acredita que o caminho deve ser inverso, no sentido do branco olhar para si e refletir sobre suas concepções – o que vale para qualquer profissional e a sociedade como um todo.

    “Eu entendi, nos últimos dois anos estudando a branquitude, que existe uma preocupação em como vou atender a família preta. Na verdade, é o contrário”. De acordo com Magda, o branco tem de analisar o que ele pensa sobre a família preta, por que não se identifica com ela, por que não tem uma afetividade com crianças negras, não sabe mexer no cabelo delas nem se relacionar com elas.

    “Porque (o branco) olha a gente ainda no processo de animalização. Parece que nós somos animais, que devemos ser estudados. A gente não precisa que vocês estudem a gente. A gente precisa que vocês estudem vocês.”

    No vídeo a seguir, veja outros trechos da entrevista concedida à Canguru News para a série “Conversas sobre parentalidade”, em que Magda fala sobre racismo estrutural, os obstáculos colocados pela branquitude, a educação parental, os profissionais negros e o debate sobre racismo nesse campo.

    Texto: Verônica Fraidenraich / Canguru News  
    Crédito de foto:
    Acervo Canguru News

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