Publicações Educacionais

    Violência nas escolas: discursos de ódio nas redes sociais estimulam ataques, diz pesquisadora

    Violência nas escolas: discursos de ódio nas redes sociais  estimulam ataques, diz pesquisadora

    Um adolescente de 13 anos esfaqueou quatro professores e um aluno, na manhã desta segunda-feira (27), dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo. A professora de ciências Elizabeth Tenreiro, de 71 anos, foi golpeada pelas costas, teve uma parada cardíaca e chegou a ser socorrida, mas não sobreviveu. Todos os feridos foram encaminhados a hospitais e têm quadro de saúde estável. 

    Aluno do 8° ano, o adolescente entrou com uma máscara de caveira e usou uma faca grande de cozinha nos ataques. Ele foi imobilizado e desarmado por professoras, sendo levado para o 34° Distrito Policial na Vila Sônia. Depois, passou pelo Instituto Médico Legal (IML), para exame de corpo de delito, e em seguida foi encaminhado para uma unidade da Fundação Casa, na capital paulista.

    Segundo depoimentos de alunos e familiares, o autor dos ataques se envolvia com frequência em brigas e discussões, e teria discutido com um estudante, que seria o alvo principal da ação, mas ele não estava na escola. Nas brigas, ofensas racistas e até ameaças de morte seriam comuns, segundo os relatos. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil.

    A escola, que atende o ensino fundamental 2 (6° ao 9° ano) e o ensino médio, funciona em período integral e teve as aulas suspensas por uma semana.

    Cléo Garcia, advogada com especialização em justiça restaurativa e mestranda em educação pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), cujo tema de pesquisa são os ataques violentos a escolas, diz que de 2002 a julho de 2022, ou seja, em 21 anos, aconteceram 13 ataques desse tipo no país – uma média de um a cada dois anos -, sendo que nos últimos nove meses houve cerca de um ataque por mês no país. Os dados são de um levantamento feito por pesquisadores da Unicamp e da Unesp. Não entraram na contagem os ataques de violência nas escolas que foram evitados e também aqueles que são cometidos por pessoas que não fazem parte da comunidade escolar. A maioria dos casos aconteceu em escolas públicas – foram 12 em escolas estaduais, seis em escolas municipais, e um em escola municipal cívico-militar – e quatro se deram em escolas particulares.

    “Não é tão expressivo como nos Estados Unidos, que é onde existe a maior concentração desse tipo de evento, mas é preocupante que esse fenômeno esteja no Brasil com uma frequência que chega a assustar”, diz a pesquisadora, que recentemente esteve em Aracruz (ES), para trabalho com docentes, alunos e familiares da escola onde ocorreu um ataque que levou à morte de três professoras.

    Para ela, são vários os fatores que podem provocar ataques de violência nas escolas, “mas, principalmente, a questão dos discursos de ódio, disseminados pelas redes sociais, incluindo aí jogos e chats de conversas, onde os adolescentes encontram reconhecimento, acolhimento, aceitação e estímulo para cometer os atos mais absurdos contra grupos étnicos, identitários e religiosos, ou seja, práticas de racismo, homofobia e misoginia”.

    Cleo comenta sobre a facilidade com que é possível encontrar, por exemplo, tutoriais para construção de bombas nas redes sociais – e não somente na deep web ou dark web -, sem nenhum filtro e para todo tipo de público, o que funciona como um alimentador desse tipo de fenômeno. “Há homenagens a crimes desse tipo, vídeos com recortes de vários atiradores, de vítimas, de armas, de corpos.”

    Mais atenção à saúde mental

    Para a pesquisadora da Unicamp, não se trata de querer descobrir um culpado, mas sim buscar a conexão e inclusão desse aluno ou aluna com diálogo, tanto com a família-escola, quanto com os próprios pares. “Fica claro que é necessário um olhar cuidadoso para aquele aluno que vive isolado e tem dificuldades de convivência, de socialização e expressão”.

    O pesquisador Hugo Monteiro Ferreira, autor do livro A geração do quarto – quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar – diz que é urgente cuidar da saúde mental das crianças e dos adolescentes – e não condená-los – ou situações dessa ordem não cessarão tão cedo. “Essa violência cometida nas escolas é produto da violência que nós fabricamos contra crianças, adolescentes e jovens há tempos. Estamos construindo adolescentes que são capazes de cometer atitudes dessa natureza. É muito mais digno e muito mais decente olharmos para a nossa responsabilidade. Eu lamento muito, mas a responsabilidade desse esfaqueamento também está nas nossas mãos”, afirma Hugo, que é professor de educação na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

    A escola precisa ser acolhedora, dialógica e inclusiva, devendo buscar a transformação dos conflitos em algo que enriqueça a convivência, avalia a advogada e pesquisadora Cleo Garcia.

    Medidas preventivas

    Como medidas a serem adotadas para evitar a violência nas escolas, ela cita desde uma melhor capacitação dos docentes até a implementação de programas que trabalhem as competências socioemocionais, debatam temas como racismo e misoginia, e desenvolvam nos estudantes uma consciência crítica e a empatia. Ela destaca ainda o uso de ferramentas como as assembleias de classe, conselho escolar, conselhos de classes e grêmio estudantil como espaços para debater conflitos e outras questões escolares com os alunos.

    A família também deve ficar atenta às atitudes dos adolescentes – e às próprias ações. Para a especialista, os pais precisam refletir se dialogam com os filhos e se estão abertos à escuta do que eles têm a dizer. Ainda, é importante definir regras para uso da internet e explicar aos filhos, desde crianças, os perigos escondidos nas redes sociais. “A base para um desenvolvimento saudável das crianças passa pelo diálogo e pelo afeto. Os pais devem se perguntar se têm exercitado isso. Não basta buscar atendimento psicológico/psiquiátrico se as atitudes familiares não se modificam também”.

    Estado anuncia ações de prevenção à violência nas escolas

    A partir do ataque ocorrido na Escola Estadual Thomazia Montoro, o governo do estado de São Paulo divulgou uma série de medidas para ampliar o acolhimento psicológico e ações de prevenção à violência nas escolas. O anúncio foi feito pelos secretários de Educação, Renato Feder, e de Segurança Pública, Guilherme Derrite, em coletiva à imprensa nesta segunda-feira (27), à tarde.

    Entre as ações está o investimento no programa Conviva (Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar), que existe desde 2019, e, segundo o governo, deve passar de 500 para 5 mil profissionais dedicados à aplicação das políticas de prevenção à violência nas escolas. Os novos educadores do programa receberão treinamento para identificar vulnerabilidades de cada unidade, além de colocar em prática ações proativas de segurança.  A secretaria estadual de educação também afirmou que vai retomar o programa Psicólogos na Educação, que dará suporte psicológico para orientar as equipes escolares e estudantes.

    Nas redes sociais, postagens marcadas como #eethomaziamontoro e #elizabethtenreiro reclamam da falta de funcionários e melhores condições de trabalho e ensino nas escolas públicas do estado de São Paulo. Também há queixas quanto à falta de segurança e de ações preventivas relacionadas à saúde mental de toda a comunidade escolar.

     

    Texto: Verônica Fraidenraich / Canguru News
    https://cangurunews.com.br

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